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quarta-feira, 8 de junho de 2016

Filosofia da Miséria

SINOPSE



O texto de Marx é um panfleto anti-proudhoniano antes de mais nada, onde a ênfase é ridicularizar e abater o adversário, muito embora ainda hoje não possamos ler serenamente muitas das citações de Proudhon que Marx faz no texto, de tanto elas estarem distorcidas, muito embora hoje em dia Proudhon seja um desconhecido para o grande público, de modo que as invectivas de Marx contra ele muitas vezes passam por pura verdade em matéria de conhecimento do proudhonismo, não podemos deixar de ver no texto de Marx, embora subordinada à verve polêmica, uma outra intenção- trata-se aqui, como muitos marxólogos já o apontaram, de uma primeira formulação explícita que Marx faz dos postulados do seu materialismo histórico. Este é um ponto de importância na releitura de ambos textos nos dias de hoje. Pelo lado de Proudhon, é inegável que tanto nas Contradições quanto em escritos anteriores e posteriores há a afirmação explícita da importância dos fatores econômicos para o entendimento da história das sociedades. Esta importância e esta relação entretanto, tanto para Proudhon quanto para todos os pensadores anarquistas, nunca chega ao nível da determinação dos fatores históricos e sociais pela estrutura econômica das sociedades e da determinação do ritmo da história exclusivamente pelo desenvolvimento das forças produtivas. Proudhon e muitos outros anarquistas sempre consideraram a história humana como um fato muito complexo e – em última instância – aberto, sobre cujo curso uma variedade de fatores podem influenciar; os fatores econômicos inegavelmente tem seu peso e condicionam uma parcela do desenvolvimento histórico, mas não podem ser tomados como seus motores únicos e exclusivos. Assim como negam a exclusividade ao fator econômico, eles negam-na também a exclusividade de qualquer outro fator (demográfico, psicológico, político, etc.). Para o Marx que ora analisamos entretanto, e reconheçamos que a sua postura sobre este ponto evoluirá, o determinismo econômico da história é absoluto e este ponto informa quase todas as divergências de fundo que ele alimenta contra as posições proudhonianas expostas n’As Contradições. Não nos esqueçamos que, embora Marx tenha posteriormente matizado as suas posições sobre o materialismo histórico, as suas formulações mais duras tais como as expostas na Miséria da Filosofia e no Manifesto do Partido Comunista terão uma influência muito grande sobre Lenin e portanto sobre toda a formulação do bolchevismo e das correntes marxistas de maior peso político durante todo o século XX. Assim esta primeira confrontação entre marxismo e anarquismo, à luz das experiências históricas do último século, talvez tenha algo ainda a nos ensinar. 

domingo, 5 de junho de 2016

AERONÁUTICA PÕE CULPA EM VERBA

A Aeronáutica não tem verba para transportar órgãos. A informação é da própria instituição, em resposta enviada ao GLOBO. Segundo a Força Aérea Brasileira (FAB), não há repasses de recursos específicos para esse tipo de missão e, além disso, “as atuais restrições orçamentárias têm reduzido ainda mais a disponibilidade de horas de voo da Força”.
O jornal questionou se a FAB entende ser necessária uma obrigação legal para o transporte de órgãos. “Não há necessidade de se ter uma obrigatoriedade legal, entretanto devem existir os recursos necessários para a realização dessas missões. A FAB também atende diversas outras demandas da sociedade, como ajuda humanitária em casos de catástrofes naturais e epidemias”, respondeu a Força.
A Aeronáutica explicou por que transporta autoridades sem negar pedidos: “Para o transporte de autoridades há legislação específica que determina à FAB cumprir a missão. Para o transporte de órgãos não há.” E voltou a falar em falta de dinheiro: “A carência de recursos e os altos custos que envolvem a atividade aérea tornam difícil ter meios exclusivos para esse tipo de transporte.”
O Ministério da Saúde afirma que as recusas da FAB “não significam necessariamente o descarte”: “O órgão é disponibilizado pela central nacional novamente para os estados selecionados nas listas de espera, beneficiando o próximo paciente”, disse a pasta.
O ministério ressaltou que o número de transplantes no Brasil “está entre os melhores do mundo, sendo superior inclusive ao da Espanha, referência mundial na área de transplante“. “O número dobrou nos últimos dez anos, chegando em 2015 a 23.666 procedimentos. O Brasil é referência mundial em transplante, sendo o maior sistema público do mundo, com 95% dos procedimentos feitos no SUS e com o paciente tendo acesso à assistência integral”.


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Órgãos perdidos sem transporte

Órgãos perdidos sem transporte

Firmino havia ingressado na fila do transplante em novembro. Só conseguiu um coração novo em 11 de janeiro deste ano. Debilitado pelos efeitos da doença de Chagas, o lavrador de Santo Antônio do Descoberto, cidade goiana vizinha a Brasília, morreu um mês depois.
— Os médicos nos diziam que o tempo de espera foi longo, que costumava ser menor. Na situação dele, o transplante era a única possibilidade de vida. Pelo menos estar numa fila proporcionou um tratamento melhor — diz Diógenes Pereira, de 23 anos, o filho caçula de Firmino.
— Sei que não puderam doar os olhos e o coração da minha filha. Não fiquei sabendo o destino de todos os órgãos, mas recebi carta de agradecimento por ter ajudado a salvar outras vidas — diz a mãe da adolescente morta no Paraná.
A recusa da FAB no caso de Firmino não foi fato isolado. Em três anos, entre 2013 e 2015, a FAB deixou de fornecer aviões para o transporte de 153 corações, fígados, pulmões, pâncreas, rins e ossos. Os órgãos saudáveis se perderam por conta dessas negativas e da falta de outras alternativas de transporte.
Os registros das recusas são feitos pela própria FAB e pela Central Nacional de Transplantes (CNT), do Ministério da Saúde, unidade responsável por fazer os pedidos de transporte e oferecer os órgãos às centrais de regulação nos estados. O levantamento foi obtido pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação.
O jornal obteve também os dias exatos em que a FAB recusou os pedidos. Nos mesmos dias, a Aeronáutica atendeu a 716 requisições de transporte de ministros do Executivo e de presidentes do Supremo, do Senado e da Câmara. A média é de cinco autoridades transportadas nas asas da FAB para cada órgão desperdiçado. Em 84 casos, ministros e parlamentares retornavam para casa ou deixavam suas casas rumo a Brasília. Quase 4 mil caronas foram dadas nesses voos.
O ritmo do transporte de autoridades, amparado por lei, é intenso. Somente no intervalo entre o preenchimento da ficha da adolescente do Paraná como doadora e o horário previsto para captação e transporte do coração, a FAB levou Cunha e outras quatro autoridades. O deputado George Hilton (PROS-MG), então ministro do Esporte, deixou Belo Horizonte rumo a Brasília. O então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foi para Aracaju. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, voou de Maceió a Brasília. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, de São Paulo à capital federal. As autoridades que usam aviões da FAB não são avisadas sobre a necessidade de usar o avião para captar um órgão.
Não há em sistemas da FAB registros de recusas a pedidos de transporte de autoridades. Já as negativas para transporte de órgãos aumentaram, entre 2013 e 2015, de 52,7% a 77,5% dos pedidos feitos. Para 153 “nãos”, a instituição disse apenas 68 “sims”.
A legislação brasileira não obriga a Aeronáutica a transportar órgãos para transplante. O que existe é um termo de cooperação envolvendo Ministério da Saúde, empresas de aviação comercial e FAB. Até hoje, não houve casos de recusa de companhias aéreas de transportar órgãos para o transplante. O transporte é encaixado nas rotas existentes e é feito gratuitamente. Apenas em 2015, 3,8 mil voos comerciais transportaram órgãos para serem transplantados.
A FAB é acionada nas situações mais críticas, em que não há como usar uma rota comercial e nos casos de tempos de isquemia curtos. Este é o prazo máximo possível entre a extração do órgão do doador e o enxerto no receptor. Para o coração e o pulmão, são quatro horas. A CNT sempre aciona a FAB nos casos de oferta de coração. Se não há receptor no estado onde o órgão foi doado — a fila de espera é nacional —, a central tenta fazer o coração chegar a outras regiões. Dos 435 pacientes que entraram na lista do coração em 2015, 145 (33,3%) morreram.
Na fila por um coração, Firmino estava no topo da lista, com recomendação de atendimento prioritário. O agricultor era analfabeto, vivia com a família numa chácara e convivia com o medo da morte. Os protozoários do mal de Chagas geram fibroses no coração. Firmino descobriu a doença na década de 1990.
— Meu pai foi internado definitivamente numa UTI em 22 de novembro do ano passado. Logo entrou na fila do transplante — diz Diógenes.
Firmino, família e médicos saíram otimistas da cirurgia feita em janeiro, quando um coração surgiu em Brasília. Mas uma infecção pulmonar mudou os prognósticos de recuperação. Após a morte do pai, Diógenes ainda não criou coragem para voltar ao hospital.


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